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São João: como “pular a fogueira” com pessoas autistas

A alegria de dançar, cantar e aproveitar as festas juninas nem sempre são compartilhadas por todo mundo. É claro que tem quem não goste, porém, o recado é sobre e para as pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Uma das características comuns do transtorno é a hipersensibilidade sensorial e, consequentemente, maior incômodo com o barulho capaz de causar crises.

Só que é impossível imaginar os arraiais pela região de Campinas sem barulho, então, é impossível imaginar a presença de pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA)? A professora do curso de Enfermagem no Centro Universitário Unimetrocamp Wyden, Simone Camargo responde: “É claro que podem frequentar as festas. Só é importante considerar suas necessidades sensoriais, emocionais e sociais para que a experiência seja positiva e respeitosa”.

Entre as questões a serem evitadas pelas pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), Simone Camargo destaca: Luzes piscantes ou estroboscópicas; Contato físico intenso; Mudanças bruscas na rotina; Excesso de estímulos ao mesmo tempo. Falando assim, ainda parece quase impossível ter essas pessoas nas festas, não é? Pois bem, impossível seria privá-las de momentos de alegria.

Conforto e segurança, especialmente de quem acompanha, mas também dos outros, são as palavras-chave para respeitar as particularidades das pessoas dentro do TEA. “Para ajudar, é sempre importante realizar planejamentos antes de ir no evento, trazer previsibilidade para a pessoa com TEA. Também evite pressões para interação e nunca se esqueça de levar itens de apoio como abafadores de som, objetos que sejam familiares e tranquilizadores”, explica Simone.

A relação entre autismo e barulhos de fogos de artifício é um tema de grande importância e que gera muita preocupação não apenas para pessoas no espectro autista e suas famílias, mas também para o poder público. Algumas cidades brasileiras já possuem legislação específica para proibir ou coibir o uso de fogos de artifício com efeitos sonoros, geralmente à base de pólvora. A psicóloga e professora de psicologia da Wyden, Aline Alves, explica que a baixa tolerância ao barulho se deve principalmente à hipersensibilidade sensorial, uma característica comum no Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Pessoas com autismo frequentemente têm um sistema sensorial que processa os estímulos do ambiente de forma diferente. No caso da audição, sons que para a maioria das pessoas são apenas altos, para quem tem hipersensibilidade podem ser percebidos como extremamente intensos, dolorosos e até avassaladores”, diz.

Os fogos de artifício combinam diversos fatores que podem ser gatilhos para essa sobrecarga sensorial:

  • Barulho intenso e imprevisível: Os estouros são altos, repentinos e sem um padrão, o que dificulta a antecipação e o processamento para o cérebro autista. Isso pode causar estresse, ansiedade, medo e até pânico, levando a crises sensoriais.
  • Luzes brilhantes e piscando: As luzes fortes e intermitentes dos fogos também podem ser perturbadoras e causar desorientação, agravando a sobrecarga sensorial.
  • Vibração: A intensidade dos fogos pode gerar vibrações que também são percebidas de forma mais intensa por pessoas sensíveis.

Esses estímulos podem desencadear diversas reações, como:

  • Agitação e irritabilidade: A pessoa pode ficar inquieta, nervosa e facilmente irritada.
  • Choro e angústia: Muitos expressam o desconforto através do choro e de sinais de sofrimento.
  • Tentativa de fuga ou isolamento: A pessoa pode tentar se afastar do local, cobrir os ouvidos ou os olhos, ou buscar um ambiente mais silencioso e seguro.
  • Crises (meltdowns): Em casos mais severos, a sobrecarga pode levar a um “meltdown”, que é uma crise de esgotamento físico e emocional, com perda de controle comportamental, verbal ou motor.
  • Sintomas físicos: Algumas pessoas podem apresentar sintomas como diarreia ou dificuldades respiratórias devido ao estresse.

Infelizmente, não há como garantir que haja o cuidado esperado com as pessoas dentro do TEA. Por isso, é válido estar atento aos sinais de uma crise e saber como amenizar a situação. Segundo Simone, “as crises geralmente ocorrem por sobrecarga sensorial, emocional ou frustração” e há uma série de atitudes a serem tomadas.

Mantenha a calma

  • Sua tranquilidade influencia diretamente na recuperação da pessoa. Fale em tom baixo e calmo, evite gritar ou dar ordens firmes.
  • Reduza estímulos
  • Leve a pessoa para um ambiente mais silencioso e tranquilo, se possível. Apague ou diminua as luzes, desligue a música, afaste as pessoas.
  • Ofereça segurança, não contenção
  • Não toque na pessoa, a menos que ela permita ou esteja em risco (algumas crises pioram com toque). Fique por perto, mostre presença e apoio, mas sem invadir o espaço.
  • Use frases simples e curtas
  • “Estou aqui.” “Vai passar.” “Você quer ir para um lugar mais calmo?” Evite dar muitas instruções ou fazer perguntas complexas.

O que não fazer

  • Gritar, ameaçar ou punir
  • Dizer “pare com isso” ou “se acalme” de forma ríspida
  • Tocar sem aviso
  • Ridicularizar ou minimizar (“isso é besteira”, “está exagerando”)
  • Forçar contato visual ou interações
  • Lembre-se: a pessoa não está ‘fazendo birra’, ela está em sofrimento e precisa de apoio”.

Ainda segundo a psicóloga Aline Alves, é fundamental que as pessoas e a comunidade em geral compreendam essa realidade para que haja mais empatia e consideração. A especialista destaca algumas estratégias que podem ajudar a amenizar o impacto dos fogos de artifício em pessoas autistas incluem:

  • Proteção auditiva: O uso de fones de ouvido com cancelamento de ruído ou protetores auriculares (tampões de espuma) é uma das medidas mais eficazes para reduzir a intensidade do som.
  • Preparação e comunicação: Explicar antecipadamente o que são os fogos de artifício, o porquê deles acontecerem e o que esperar (seja com palavras, fotos ou vídeos) pode ajudar a pessoa a se preparar mentalmente e reduzir a ansiedade da imprevisibilidade.
  • Ambiente seguro e calmo: Estar em um local silencioso, seguro e familiar durante a queima de fogos é crucial. É importante que a pessoa tenha acesso a um “refúgio” onde possa se sentir protegida.
  • Itens de conforto: Ter por perto brinquedos sensoriais, cobertores ou outros objetos que tragam conforto e segurança pode auxiliar no momento de estresse.
  • Distância: Se possível, opte por assistir aos fogos a uma distância segura, onde o impacto sonoro e visual seja reduzido. Evitar aglomerações e locais muito próximos à queima é importante.
  • Validação emocional: Após o evento, é importante conversar com a pessoa sobre como ela se sentiu e validar suas emoções, mostrando apoio e compreensão.
  • Conscientização da comunidade: Aumentar a conscientização sobre o impacto dos fogos de artifício barulhentos em autistas, idosos e animais pode incentivar o uso de fogos de artifício silenciosos ou a moderação.

“Vale lembrar que, apesar da hipersensibilidade sensorial ser característica comum entre pessoas autistas, é necessário compreender cada caso, uma vez que fatores subjetivos podem influenciar a resposta de cada pessoa com autismo a estímulos e ruídos diferentes. A compreensão e o respeito às necessidades sensoriais das pessoas com autismo são passos importantes para promover a inclusão e o bem-estar de todos”, conclui Aline Alves.

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